Ontem assisti ao espetáculo da
burocracia e lentidão do nosso sistema de produção de conhecimento. Chego à
conclusão de que nossos métodos são tão ineficazes que acabamos tendo de gastar
interminável tempo discutindo como faremos para torná-los mais produtivos, gerando
o máximo com o menor dispêndio possível. Mas é aí que sou atingido pela ideia
de que certa fraqueza de espírito nos garante que jamais alcançaremos um ponto
de repouso a partir do qual possamos exclamar, enfim, sossegados: “essa é a
maneira certa de proceder, de hoje em diante é assim que farei”! Acho que não
preciso falar da infantilidade dos imaginários de massa, criados à base de
leite achocolatado e ininterruptos comerciais de televisão. Não. Porque
perdemos nossos princípios fundamentais, as fontes que nos permitiam falar na
língua dos preconceitos. O pensamento instável, fugidio e incapaz de se
aprofundar em um ponto específico é tristemente preenchido de tédio – certa
medida de melancolia que turva a visão e estanca os ouvidos, incapacitando-nos
de enxergar as cores da vida e de sentir a morte dos sons. Isso tudo é verdade,
eles disseram.
Mas quem disse que não posso ser
aquilo que sou? Por que almejar o repouso e a segurança de fronteiras e
prescrições sempre renovadas pela fria rigidez de um ideal estático? (Eu disse
que não iria pregar como um falso moralista, e assim tentarei fazer). Afinal, de
que servem nossos modelos institucionalizados de avaliação? Para medir a
sapiência contida nas cabeças de nossos memoráveis cidadãos? Servem para o
desprezo de diferentes tipos de aprendizado, para a rejeição da variabilidade
de estilos cognitivos em prol da perfeição mais útil possível. Somos compulsoriamente
levados a nos comparar mutuamente mediante valores cuja unidade de medida é
baseada naquilo que importa. Mas nem queremos saber disso, isto é, dos resultados
reais dos cálculos subjacentes à nossa insaciável aspiração à grandeza.
Em sua época, vendo o monopólio
informativo da grande imprensa que se anunciava, Stuart Mill afirmou que o povo
se assemelhava a um rente gramado muito bem aparado, no qual não se podia ver
um único “fio” de grama acima dos demais. Mill pensava no prejuízo que essa homogeneidade
insossa poderia ter sobre a riqueza de nossos debates intelectuais e o
surgimento de novas ideias. Acho que ele estava correto. Esse gramado tem de
ser constantemente aparado para que sua deformidade, sua estéril falta de
harmonia e beleza, não cause horror ou, o que é pior, o sublime espanto. Com
estas manias controladoras e perfeccionistas, acabamos negando nossa natural
diversidade. Nossos futuros adultos moderados que o digam, pois são ocupados
com os passatempos mais variados e imbecilizadores, e, ao fim, se seu
pensamento irrequieto perturba excessivamente o seu meio, tacam-lhe alguma
droga goela abaixo. Um remédio que fará muito bem para os nervos daqueles com
quem ele convive.
A questão paradoxal é precisamente
essa: não podemos negar às pessoas que se realizem, que busquem uma forma
autêntica para expressar sua singularidade existencial da maneira como elas
pensam e querem fazer isso. Mas nos deparamos com ferramentas e materiais
absurdamente pobres para esta empreitada. É aí então que clamamos pelos cânones
norteadores do espírito humano: queremos ser normais! Não suportamos o ameaçador
senso do ridículo nem em pensamento! Todavia, queremos ser únicos e evitar a
todo custo ser apenas a reprodução particular de um padrão geral. O que queremos
é atingir a origem de tudo isso, a morada do padrão dos padrões, e por fim,
viver a concretização de um sonho que é somente nosso.
Mas talvez nosso sistema não seja tão precário e
sua aparente lentidão seja apenas o reflexo de seu complexo funcionamento.
Burocracia inútil! Eu xingo. Mas pra que tanta preocupação se isso só serve
para impedir que nos ocupemos com algo produtivo? A pergunta lembra a simplória
frase que neste momento embala o espírito da política nacional: “não pense em
crise, trabalhe”. Mas então era só isso? É só para pararmos de nos preocupar
com picuinhas e mazelas cotidianas e colocar a mão na massa, para sair do
atoleiro econômico? Eu seria muito ingênuo se analisando esse bordão, pensasse:
“mas nem um marqueteiro este governo tem, senão não teriam usado uma frase impopular
que sintetiza tão bem seu propósito de usar os cidadãos como instrumento para
sair da crise, a custa de um bem tão humanamente valioso, o pensamento”. Seria
ingênuo porque isso é exatamente o que eles sabem e querem, eles inflamam pelo
recrudescimento, pela intensificação na aplicação dos padrões como fuga do
problema dado. E a massa regorjeia: “essa conversa de que nos transformarão em
máquinas ou zumbis ultraprodutivos com baixo teor de raciocínio crítico é a conversa
dos esquerdistas preguiçosos, que jamais colocaram os pés no chão duma fábrica,
não sabem o que é conquistar a verdadeira dignidade!”.
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