O que significa
olhar para a ética através das lentes do feminismo? O que o
feminismo teria a acrescentar às teorias morais? Que contribuição
as feministas poderiam ter a uma tradição tão consagrada?
Annie Kenney and Christabel Pankhurst, sufragistas britânicas (1908) |
Como sabemos, as
mulheres foram, por muito tempo – e ainda são, ainda que em menor medida –
excluídas de uma série de atividades, funções, instituições e
lugares que eram – e muitos ainda o são – considerados
masculinos. A atividade intelectual é uma delas; dentro das
atividades intelectuais, temos a filosofia; dentro da filosofia, a ética. A ética é, portanto, uma área de estudos da qual as mulheres por muito tempo foram, se não impedidas de
produzir e pensar, desacreditadas e desqualificadas.
Mesmo que as coisas
tenham progredido de algum tempo pra cá, e que
muitas mulheres tenham condições de estudar e escrever sobre ética e quaisquer outros temas que queiram,
temos de levar em conta que as teorias morais clássicas da
filosofia, aquelas que qualquer estudante de graduação precisa ler,
foram construídas por homens. O problema, entretanto, é que a
maioria desses homens vivia em uma sociedade que excluía e
inferiorizava abertamente as mulheres. Talvez o pior problema seja
que quase nenhum desses teóricos pensava diferente daqueles de sua
época.
Ainda assim,
poderíamos conservar as teorias que esses homens produziram
exatamente porque elas não têm nada a ver com questões de gênero,
não é mesmo?
Bom, é aqui que
colocamos nossas lentes feministas para ver que as coisas não são
tão simples assim de separar.
Mary Wollstonecraft, autora de Reivindicação dos Direitos da Mulher (1792) |
Para as pensadoras
da ética feminista, por mais que grande parte das teorias canônicas
da ética defenda a igualdade, a uniformidade e o julgamento
desinteressado, elas reproduzem e alimentam a exclusão feminina através
de uma visão limitada sobre o que pode ser a moralidade.
A ética feminista
tenta mostrar que certos valores apregoados como morais poderiam ser
fruto de concepções limitadas do que é masculino e do que é
feminino, em que o que é feminino é sempre indigno de valor.
Autoras da chamada “ética do cuidado”, ao perceber esse viés,
buscaram trazer elementos tradicionalmente femininos para a discussão
moral, mostrando que o cuidado, a maternidade e as emoções, por
exemplo, podem ser bons pontos de partida para pensar a moralidade,
ao mesmo tempo em que chamaram a atenção para o fato de que os
princípios universais, a imparcialidade e o cálculo da utilidade
talvez não o sejam.
Angela Davis, autora de Mulheres, Raça e Classe (1981) |
Além de revisões
críticas de teorias e concepções clássicas e das teorias da ética
do cuidado, há uma série de subdivisões e perspectivas feministas
sobre a ética bastante diversa. O nó que as amarra parece ser
precisamente a insistência na não-existência de uma teoria
separada do contexto, da realidade em que se vive: nossas intuições
mais imediatas, nossas crenças mais enraizadas, têm origem no mundo
em que vivemos, nas milhares de coisas que aprendemos, nas situações
a que fomos expostos, nos discursos que têm credibilidade em nosso
meio. E teorizar sobre ética requer que coloquemos em movimento todo
esse mundo interno que se cria a partir de tudo o que absorvemos de
fora.
E é aí que as
lentes do feminismo nos ajudam a ver que muitas das coisas que
pensamos ser justas e imparciais podem ser reproduções
acríticas daquilo que aprendemos, e reproduzir acriticamente uma
realidade opressora com alguns grupos sociais é a forma mais
eficiente de alimentá-la.
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